terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Entrevista ao Blog Viva Maria.

No centenário de Nelson Cavaquinho, Tania Maria foi convidada para gravar "Folhas Secas" em um projeto que reuniu várias pérolas da Música Brasileira, o disco "Uma Flor para Nelson Cavaquinho".
Com a voz cheia de emoção, fez uma linda gravação e concedeu esta entrevista ao blog Viva Maria.
Marco Pontes (maestro Caixote), Gó do Trombone, Thiago (produtor), Tania Maria, Renato Loyola (baixo acústico) e Nahame Cassab (bateria).

Ouça abaixo a gravação:

Viva Maria: O quê a música representa para você?
Tania Maria: Ela tem várias representações. Vou começar falando de uma coisa que não deveria existir, que é um eterno conflito entre aquilo que eu poderia fazer e aquilo que eu só posso fazer. Eu acho que deveria ser muito mais dedicada a musica, mas ao mesmo tempo talvez eu seja preguiçosa, mas é um conflito delicioso, uma dor deliciosa e desse conflito saem muitas coisas, que mais tarde venham a ser temas de músicas, talvez este conflito seja uma das minhas características como mulher, como ser humano e acho que nem Freud ou Lacan, e ninguém vai explicar, e faz parte do contexto.
Agora, uma coisa maravilhosa que a música é, é a sua ligação com o espírito, e o espírito não se pode definir, ou pegar e dominar. Eu gosto que a música seja uma coisa que eu não possa dizer que faça perfeitamente, pois ela sempre está na sua frente e isso é delicioso também, saber que enquanto ela está na sua frente, é porque ainda há muita coisa prá fazer.
VM: Seus trabalhos espelham fases da sua vida? Sempre há uma referência no seu processo de criação, e há momentos em que você é mais Bluesilian ou No Comment?
TM: Minha irmã que me conhece bastante, diz que todas as minhas músicas são inspiradas na minha família e eu acho que talvez 80% seja isso mesmo e os outros 20% da minha vivência.
Eu sou uma pessoa, que a minha curiosidade não é do olhar e nem da boca, mas do ouvido, e eu sou uma pessoa extremamente curiosa em escutar tudo que se passa ao meu redor, como uma música, um papo de alguém, o que meus filhos tem a me dizer, sem que eu seja mamãe, com conselhos, mas somente escutá-los, e dessa curiosidade auditiva saem muitas músicas.
Eu estou sempre em busca de coisas que me dêem emoção, e essa curiosidade auditiva, me dá muita emoção, e que acabam dando em música.
Tem gente que se senta ao piano, ou toca qualquer outro instrumento e compõe uma música assim, assado, mas eu não, eu fico dedilhando, dedilhando e de repente, vem uma lembrança qualquer, e dali vai surgindo uma música que pode ficar pronta em 15 minutos ou em meia hora, como pode levar dias, e dias e dias. Não sei fazer muita coisa por encomenda não.
VM: Você falou que um dos seus trabalhos preferidos é o Forbidden Collors, e há alguma razão em especial?
TM: Tem muita gente que acha que esse título foi escolhido por conta de um famoso escritor japonês, que escreveu um livro com o mesmo nome, mas não teve nada disso, não chego a esse intelectualismo grande.
Forbidden Collors, é um disco muito positivo. Foi um tempo na minha vida, em que eu achava que estava passando por uma época muito boa e talvez as pessoas não me vissem nessa situação, mas eu sentia que tava começando a rolar muita coisa que eu não conhecia e tendo a oportunidade de tocar com muita gente que eu não imaginava tocar, assim como eu via minhas crianças entrando na universidade, fazendo coisas bonitas, e esse era um tempo de cores proibidas, que no passado talvez me fossem proibidas, e naquela época eram cores reais.
Foi o disco que menos vendeu, segundo os donos do disco, digamos de uma maneira material, mas é dos que eu mais gosto até hoje, e eu não sou muito fã de mim não, mas nele eu vou de vez em quando, prá me dar uma força, e é muito bom.
VM: Na sua relação com o piano, você acha que quem escolheu quem?
TM: Eu quando comecei a tocar piano, eu não adorava não.
Fui prá escola prá fazer meu pai feliz e isso não me custava muito pois eram 2 vezes por semana e foi se tornando um refúgio, como garota, pois eu comecei cedo, aos 7 anos e eu não tinha essa percepção, que pudesse ser musicista, e era um privilégio ter um piano em casa, nós que éramos humildes, sendo meu pai operário.
Mas eu posso dizer que fui escolhida pelo piano, por que eu o abandonei por 5 anos e no dia que eu voltei, era como se nada tivesse mudado, e de uma forma qualquer, ele medisse que seria meu marido, meu amante, pois a minha conexão com o piano, é de amante, que me conforta e que me ama e eu retribuo essa questão espiritual que existe, do amor, por que o amor é espírito.
Eu transo com o piano, e é uma transa bonita, que eu posso fazer em público, e as pessoas participam, se envolvem nisso.
VM: Você acha que a honestidade que há na sua música, a tornou cosmopolita?
TM: Há 5 anos atrás eu diria que não, mas hoje eu acho que ela tem tocado mais as pessoas. Eu sinto agora essa resposta, pelo olhar das pessoas, pelo amor que eu recebo das pessoas e talvez esse amor já estivesse lá, e eu não estava pronta para receber, embora já existisse, mas acho que agora eu estou aberta prá receber pois eu só percebia o esforço que eu fazia e não o retorno e agora eu estou muito feliz em poder ver as pessoas contentes com o que eu faço.
Eu acho que questou melhorando como pessoa, e minha música também.
VM: Você tem acompanhado a cena musical mundial? Acha que ainda falta muita coisa prá nós? E no Brasil?
TM: No Jazz, tem um excelente pianista chamado Brad Mehldau, que surgiu como se fosse um novo Bill Evans, com o mesmo romantismo, um camarada muito musical, sem ser exibicionista, ele é pura música, e me impressiona muito pelo que faz e é.
A música, agora toma uma forma, que se adapta a um outro mundo, pois eu tenho a impressão que o mundo tá entrando num outro mundo, diferente daquele em que eu fui criada, catequizada, uma nova era. A música tá nessa transição, e não tem muita gente que se sobressaia, mas tem muitos preparando coisas que sejam prá talvez daqui a 10 anos.
Eu fico feliz que o Brasil tá mais consciente da sua importância musical. Eu fico muito contente de ver essa garotada tocando chorinho.
VM: Lá no Rio tem muita gente nesse movimento, muitas casas de samba de raiz...
TM: E acho isso muito importante. Sempre que eu tenho uma dúvida, eu recorro aos mais velhos, buscando em Pixinguinha, em Radamés Gnattali, Luiz Eça, Johnny Alf, que são mestres, e não é prá copiar, mas apenas prá dar uma direção, pois o Brasil é muito rico nisso, nesse esquema de música, tem uma presença mundial, diferente do americano, que é educado para que tudo que ele faça seja um show, mas nós temos uma mistura muito mais rica, e que favorece. Quanto mais você mistura, tem mais possibilidade de ir prá frente, e não digo que gosto só de Bossa Nova, ou só de Samba, disso e aquilo, eu gosto do que me emociona, e tem coisas que gosto mais e outras menos.
Eu penso que nós temos que nos valorizar mais, e não é porque moramos longe que somos inferiores. Não. Nós temos sempre alguma coisa prá dizer. Musicalmente nós aqui somos riquíssimos.
VM: Tania, eu tenho uma amiga Alemã, que sempre diz que os Alemães tem que se programar para tudo, com muita antecedência, que é da cultura deles. Como aconteceu o encontro com a HR Big Band, já que sua música é repleta de improvisos? Foi tranqüilo o entendimento? Como surgiu o convite para o disco It’s Only Love, gravado em um concerto ao vivo?
TM: Quando eu recebi o convite do diretor musical da Radio de Frankufurt, da orquestra de metais eu achei que fosse ser difícil, e eu pensei, alemão no samba? Vamos lá então! Gravamos com guitarra, baixo, bateria e percussionistas. Mas como você disse, eles já vieram tão organizados, e tinham uma lista do que gostariam de gravar comigo e eu fiquei contente, por que eu não queria gravar um disco que eu tivesse que cantar isso ou aquilo de outras pessoas, e se mostraram interessados nos meus bebezinhos, eu chamo minhas músicas de meus bebês e seriam 3 repetições e 3 concertos, prá gravar ao vivo. Perguntei ao diretor se eles tinham feito algo, nessas 14 músicas, das 30 escolhidas, e ele disse que já, então eu pedi um áudio, algo que eu pudesse escutar como ficou, e quando eu escutei eu pensei: -Meu Deus, como é que eu vou entrar aqui? Fui no dia seguinte prá repetição, e quando eu cheguei lá, os próprios músicos me disseram que estavam desanimados, mas quando eu entrei e toquei, parece que tudo se encaixou, e eu me senti muito a vontade, o que não é uma coisa muito normal, pois eu gosto muito de tocar com músico que eu conheço, por que eu não sou muito de conversar com músico, eu gosto de sentar e tocar, e a gente vai se percebendo, indo junto ou não, e quando eu vi esses 19 elementos vindo e contentes, por que você nota quando o músico está contente, ele coloca o instrumento de alguma forma, tem gozos, bate pé, e tal, e além disso, o maestro Jörg Achim Keller, uma pessoa linda, jovem, vibrante e adorei o arranjo e ele não modificou o que eu já havia feito, apenas adicionou, mantendo o que eu havia feito, mantendo aquele jeitinho do Maranhão, de Volta Redonda, do Brasil.

                    Tania Maria e Fernando Martins, (SP 2011)

VM: Tudo isso vem ainda bem carregado na sua música, não?
TM: Sim, sim, eu acho que todo mundo me dá muito cartaz jazzístico, mas eu não sei tocar standart, não é meu negócio. A minha influência do Jazz, é a liberdade de expressão, é isso aí que me atrai e que eu acho que infelizmente aqui no Brasil, os músicos não estão preparados para isso. Não é o público que não está preparado, pois eu vejo que tem camarada que quando toca chorinho, ele apresenta o tema e depois vem, e tem um Hamilton de Holanda da vida, que faz o trabalho que tem que ser feito nos dias atuais, mas tem gente muito presa em trocar exatamente com Jacob do Bandolin tocou, e uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa, e sinceramente eu fiquei muito feliz com esse disco, que me deu muita força.

xxx
*Muito obrigado Vania Reis, bj grande!